30/05/2022
" era 'Toda HABITAÇÃO de NEGROS FUGITIVOS que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados nem se achem pilões neles', segundo resposta do Rei de Portugal a consulta do Conselho Ultramarino datada de 2 de dezembro de 1740.
De acordo com esta definição da Metrópole, o Brasil se converteu, praticamente, em um conjunto de quilombos, uns maiores, outros menores, mas todos significativos para compreensão da nossa história social. O quilombo, conforme a definição acima, por isto mesmo, não foi um fenômeno esporádico. (...) a constância de nomes de cidades, vilas, povoados, fazendas, ou simples acidentes geográficos como serras e rios, com o nome de mocambo ou quilombo, fato que vem demonstrar a sua importância social e sua permanência histórica. (...) o quilombo é uma constante histórica e a sua importância social muito maior do que já foi computada pelos nossos historiadores e sociólogos.
(...) o fenômeno não foi circunscrito a uma área, mas pontilhou todo território brasileiro durante o período em que a escravidão existiu. (...) Os pequenos quilombos possuíam uma estrutura muito simples: eram grupos armados. As lideranças, por isso, surgiam no próprio ato da fuga e da sua organização. O de Palmares chegou a ter cerca de 20 mil habitantes e o de Campo Grande, em Minas Gerais, cerca de 10 mil ou mais. Igual número tinha o do Ambrósio, também naquele Estado.
(...) Aparentemente o quilombo era um grupo defensivo. No entanto, em determinados momentos tinha necessidade de atacar a fim de conseguir artigos e objetos sem os quais não poderia sobreviver, especialmente pólvora e sal. Fazia igualmente sortidas para conseguir mulheres e novos membros para o reduto. Convém notar, porém, que o quilombo, além de não se completamente defensivo, nunca foi , também, uma organização isolada. Para o seu núcleo convergiam elementos igualmente oprimidos na sociedade escravista: fugitivos do serviço militar, criminosos, índios, mulatos e negros marginalizados. Tinham , igualmente, contato com os grupos de bandoleiros e guerrilheiros que infestavam as estradas.
Muitas vezes, através desses grupos, eram informados da aproximação de expedições punitivas contra eles. Em Sergipe, de forma especial, os quilombolas eram auxiliados pelos escravos das senzalas que muitas vezes os escondiam quando eles faziam incursões aos engenhos. Esta solidariedade constante foi responsável pela prolongada vida desses quilombos os quais, à aproximação dessas expedições, já haviam se retirado do local, levando, quase sempre, o produto das suas roças e mantimentos produzidos pela economia quilombola.
(...) Muitas vezes eles chegavam a ocupar fazendas, ali permanecendo por muito tempo até que eram desalojados. Outro tipo de contato dos quilombolas era com os participantes das insurreições negras urbanas. Em todas elas, especialmente em Minas Gerais e Bahia, o fato se verificará, embora sem uma intensidade capaz de decidir o processo.
Na República de Palmares, o maior de todos eles, este relacionamento com colonos das vizinhanças era evidente. Como diz Edison Carneiro, “os negros tinham os seus amigos entre os moradores vizinhos.”
De fato, a gente de Domingos Jorge Velho que empresou a destruição de Palmares estabelecia uma cláusula aceita pelo governador Souto-Maior, segundo a qual “o sr. Governador dá poder ao coronel Domingos Jorge Velho para mandar prender a qualquer morador destas capitanias, que com evidência lhe constar socorre os negros de Palmares; e terá seguro no seu arraial até mandar tomar conhecimento do crime e dispor dele o que lhe parecer, sem embargo de ser pessoa de qualquer qualidade.”
Estas CAPITULAÇÕES – segundo escreve Edison Carneiro – são de 1687 e foram negociadas antes da ENTRADA dos paulistas. Provavelmente esta cláusula do Mestre de Campo, mas, possivelmente , também entrou na sua redação o conhecimento que tinham os círculos oficiais e a eles ligados da existência de protetores do quilombo, entre os moradores das redondezas.
Mais tarde, com a campanha já na fase das “operações de limpeza", Domingos Velho relatava a Sua Majestade, em longo requerimento, que algumas pessoas “interessadas na conversão dele (o quilombo) (pelas conveniências e emolumentos que da existência dele logravam, uns em prol da fazenda, outros pelas execuções dos seus malefícios, e vinganças) procuravam afastar o seu Terço* da região conflagrada". O fato, porém, já devia ser bem mais antigo e não se podia esperar outro comportamento de segmentos oprimidos pelos holandeses e pelo regime escravista de um modo geral.
Rocha Pinto escreve, por isto, que “alguns moradores daqueles distritos, por temerem os danos, que recebiam, e segurarem as suas casas, famílias e lavouras dos males, que os negros dos Palmares lhes causavam, tinham com eles secreta confederação, dando-lhes armas, pólvora e balas, roupas, fazendas da Europa, e regalos de Portugal, pelo ouro, prata, e dinheiro que traziam dos que roubavam e alguns víveres, dos que nos seus campos colhiam, sem atenção às gravíssimas p***s que incorriam ... Com isto esses moradores tinham seguras as suas casas, e andavam com os salvo-condutos, que recebiam dos inimigos em certos sinais, ou figuras, que respeitavam os seus Capitães e Soldados para os deixarem passar.
Era, como vemos, uma concordata que existia entre os quilombolas e os grupos e segmentos marginalizados ou oprimidos pelo latifúndio escravista. O quilombo, como vemos, nada tinha de semelhante a um quisto, ou grupo fechado, mas, pelo contrário, constituía-se em pólo de resistência que fazia convergir para o seu centro os diversos níveis de descontentamento e opressão de uma sociedade que tinha como forma de trabalho fundamental a escravidão.”¹
(*) – Terço: o mesmo que “tropa".
"¹ Texto (recorte) pelo autor da postagem do livro: "Os quilombos e a rebelião negra" – Moura, Clovis – editora brasiliense – 1981.
Digitação sobre ortografia original do livro.
Do autor da postagem entenda-se escravos por escravizados (empregados em exaustivos trabalhos forçados de seres nascidos livres e transformados em cativos sob extrema violência física e psicológica.) e assim vai, abolição por conquista da liberdade, mestiços por miscigenados ...
Colagem: Parque Quilombo dos Palmares.