18/11/2020
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A CONTEMPLAÇÃO DO DIVINO
A gente se sente assim, pequeno - quase imperceptível, mesmo - no interior da Igreja da Venerável e Arquiepiscopal Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo. Se o nome do templo já impressiona, o que dizer da grandiosidade da arte sacra que se descortina aqui dentro, a poucos metros da movimentadíssima e barulhenta Rua Primeiro de Março? Pouco, ou quase nada do que se diga, será capaz de descrever essa preciosidade carioca. O que se pode fazer, quando muito, é contar sua história, que começa lá pelos idos de 1648, com a criação da Irmandade do Carmo. No Brasil colônia, era comum a reunião de grupos de religiosos ou leigos em torno da devoção a um ou mais santos. Com relativa autonomia para a gestão de seus bens e rendas, essas irmandades tiveram papel fundamental na construção de boa parte das igrejas erguidas no Brasil entre os séculos 17 e 19.
Antes da publicação, em 1719, das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, que regulamentaram a vida religiosa no território português do Brasil, as irmandades católicas eram regidas pelas Ordenações do Reino. Havia espaço para a criação de estatutos próprios que estabelecessem as regras e o funcionamento do grupo, assim como direitos e deveres dos membros, chamados de irmãos. Antes ocupando a pequena Capela da Paixão de Cristo, junto ao Convento do Carmo (na esquina da atual Sete de Setembro), a Ordem resolveu construir sua igreja em 1752. Como havia muita gente endinheirada entre os devotos, foi possível contratar os melhores artistas e oferecer-lhes materiais de primeira. Três anos depois, começaram as obras, que se estenderam até 1770. O projeto arquitetônico, de Manuel Alves Setúbal, é uma joia barroca cuja fachada é toda revestida com pedra, único exemplar desta técnica ainda existente no Rio.
Por dentro, nossos olhos e almas se perdem na contemplação do trabalho, em rococó, dos entalhadores Luiz da Fonseca Rosa e Valentim da Fonseca e Silva, o Mestre Valentim. São esculturas, ícones, afrescos, retábulos, pinturas e uma infinidade de detalhes. Além do altar-mor, onde se vê a imagem pungente do Cristo crucif**ado, destacam-se na nave as duas capelas laterais. Esses espaços litúrgicos eram utilizadas em celebrações de menor porte ou em atividades religiosas dos diferentes grupos de irmãos. Sim, isso mesmo: embora o templo fosse erguido por uma irmandade, era comum que mais de uma dessas confrarias de fé compartilhassem o mesmo espaço, numa bela demonstração de diversidade e respeito entre devotos de diferentes santos.
Oitenta anos depois de sua inauguração, a Igreja da Ordem do Carmo só seria concluída, mesmo, em 1850. Foi nessa época que o templo recebeu suas duas cúpulas bulbosas, lindamente decoradas com azulejos, por obra do arquiteto Manuel Joaquim Corte Real, expert da Academia Imperial de Belas Artes. Ela f**a bem ao lado de sua coirmã, a Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé, que já foi visitada pelo Passeador (a quem quiser ver, basta dar uma clicada aqui: https://www.facebook.com/passeadorcarioca/photos/2474492735975482 ). É um conjunto arquitetônico e religioso de beleza rara e enorme importância histórica, que pode ser visto de uma tacada só: basta sair de uma igreja, dar meia dúzia de passos e entrar na outra. Não se paga nada - o único tributo devido, além de uma eventual e voluntária oferta para a manutenção do santuário, é o silêncio reverente. Na verdade, o ambiente é tão sagrado que, seja qual for a confissão religiosa do visitante, a sensação é de uma elevação que não dá para descrever em palavras. Provavelmente, até alguns agnósticos que se permitem vir aqui saem na dúvida sobre se tamanhas maravilhas são fruto, somente, de mera inspiração humana.