15/05/2023
"(...)A baía azul reflete o céu turquesa. Estão as montanhas em círculo, enroupadas de verde, insólitas no relevo e na frescura. Vêem-se outras dilatando a perspectiva, fugindo, ascendendo, marcando por tonalidades suavíssimas os longes esfumados da paisagem. O cenário é teatral. Encanta. Enleva. Ofusca. Nesse painel de sonho, olha-se em frente o mar, que mal se enruga ao vento, e vê-se a água olivácea e límpida, tôda ela como uma lantejoula fulgindo ao sol.(...)
(...)Fugindo aos soldados de Napoleão, chega, depois disso, a Côrte portuguêsa, de Lisboa. Ano de 1808. A cidade não mudou. É a mesma. O tifo, a varíola e outras doenças malignas tinham, entretanto, aqui definitivamente plantado tenda. Morre-se como não há memória de se morrer tanto, no Brasil. Os relatórios que vão para a Metrópole, porém, falam bem pouco de tais assuntos. Epidemias!
Para sustá-las é praxe, no Brasil, atirar às ruas espêssas manadas de bois, varas de porcos, rebanhos de carneiros, esperando-se que a Divindade os fulmine, transferindo para êles a cólera que tanto aos homens prejudica. Fazem-se preces públicas; as igrejas vivem sempre abertas, os altares dia a dia iluminados. Prometem-se à Divindade custódias de ouro, toneladas de cêra, somas em dinheiro, novenas, 'Te-deuns', capelas...
Ninguém trata de varrer as ruas, distribuir melhor a água, ter mais asseio com o próprio corpo. A linfa da Carioca, portadora das mais tremendas infecçôes, corre a descoberto. Os animais mortos enchem, entulham a famosa Vala que liga Santo Antônio à Prainha. Cada rua é uma artéria úmida e podre, secando ao sol.(...)
(...) sujo Rio de Janeiro do tempo dos Vice-Reis. De que te servia o quadro da natureza amiga e portentosa, a côr do céu, a luz do sol, a beleza do monte e da folhagem, se a obra do homem ofendia a linda obra de Deus?
Ofendia e humilhava..."(...)
Fonte: "O Rio de Janeiro no Tempo dos Vice-Reis" – Edmundo, Luiz – 1° vol., 4° ed. – Editora CONQUISTA – 1956.
Do autor do post: ortografia original da época das publicações dos livros.