04/08/2020
A ode à ignorância vai nos custar o planeta.
Por Luciana Leite - Bióloga https://www.instagram.com/lu.biophilica/
Hoje acordei com mensagens compartilhadas no WhatsApp sobre o aparecimento destes pequenos animais na costa baiana. A espécie em questão, Glaucus atlanticus é um diminuto molusco, com ampla distribuição e ocorrência também na costa brasileira. Conhecido popularmente como Dragão do mar, trata-se de um nudibrânquio pelágico. Por ser pelágico, ou seja, por viver em alto mar, não é comumente observado nas praias.
Não é uma especie invasora e não apresenta qualquer risco para o homem. Sua ocorrência pode estar relacionada com fortes correntes marítimas que trouxeram espécimes para a areia.
Eu, enquanto bióloga, mergulhadora e apaixonada por animais marinhos, recebi com muita tristeza imagens do animal com mensagens alarmistas sobre as supostas altas concentrações de veneno que o animal carrega e sobre causarem choques e sabe Deus mais o quê.
Nunca tive a sorte de vê-los e fico triste que as pessoas, por ignorância e por falta de interesse, deixem de viver a experiência do encontro com um animal tão raro. Ao invés disso, criam e reproduzem uma corrente de fake news dos nudibranquios, que reforçam (com afirmações errôneas) essa percepção da natureza como algo hostil e perigoso, ameaçador e quase vil.
Quem se propõe a criar, por ignorância, medo ou maldade, fake news sobre uma espécie tão inofensiva?
Onde foi parar a nossa curiosidade? A nossa vontade de aprender? Quando passamos a entender a história natural das espécies, passamos a valorizá-las. O conhecimento leva à admiração que leva ao reconhecimento do valor intrínseco de todas as formas de vida. Não há conservação ambiental sem conhecimento.
Incentive seus filhos, amigos e familiares a pesquisarem, estudarem e conhecerem mais sobre a natureza. Ela é incrível!
O dragão azul ganhou tanta notoriedade e gerou uma onda de pavor tão grande, que eu resolvi continuar os posts devotados ao Glaucus atlanticus e outros nudibrânquios.
Nudibrânquios são moluscos marinhos que, devido ao diminuto tamanho e corpo mole, desenvolveram estratégias químicas de defesa. E o que isso significa? Significa que estes animais conseguem incorporar substâncias químicas de suas presas - que incluem esponjas, cnidários, algas, dentre outros e que armazenam estas substâncias químicas para se tornarem impalatáveis (com gosto ruim) e tóxicos.
Os nudibrânquios são tão gente boa que eles avisam a outros animais que eles podem ser perigosos. Espécies de nudibrânquios são frequentemente aposemáticas, ou seja, apresentam coloração vibrante e contrastante que servem como um alerta para potenciais predadores.
O dragão azul é uma espécie que incorpora cnidócitos - que são as células urticantes das águas vivas. Isso quer dizer que são terríveis assassinos? Não. Isso quer dizer que você pode pegar e levar pra casa? Também não. Não são animais de importância médica e não apresentam maiores riscos aos seres humanos. Isso quer dizer o que? Que não existirem relatos sobre hospitalizações, complicações médicas ou mortes envolvendo o dragão azul. Mas, se molestado, ele pode ter uma ‘picada’ urticante. Diferente das águas vivas que são urticantes, o dragão azul pode se defender “lançando” os cnidócitos para se defender.
Evite molestar não apenas o dragão azul, mas qualquer animal. Sempre que se deparar com espécies selvagens, aprecie o encontro, fotografe e aproveite para aprender mais sobre outras formas de vida! Mas não alimente uma cultura do medo com relação à natureza, principalmente entre as crianças. Ensine-as a respeitá-la e protegê-la.