09/02/2024
de
Fetcera/Bruxa
“fetcera de Rebera de Janela, que te cmê na got, te cmê na catcor”, cujas feiticeiras foram imortalizadas neste trecho interpretado pela Diva dos Pés Descalços, Cesária Évora.
Feiticeiras de Ribeira de Janela
Antes de entrarmos propriamente nos relatos compilados da Ilha das Montanhas, importa frisar que em Santo Antão a figura da feiticeira coincide completa e exatamente com a da bruxa. Regra geral, há mais feiticeiras que feiticeiros, já que as mulheres, como era crença, tinham mais ligações com as forças obscuras e com os espíritos. Normalmente, eram pessoas já de certa idade, muitas vezes portadoras de deficiência física, como sejam corcundas, zarolhos, coxos, etc. “Comiam” preferencialmente crianças, quer dizer, matam-nas através de” oiadas”, sobretudo no sétimo dia ao do nascimento.
Resguardos e esconjuros
Antigamente, em Santo Antão, e não é que esta prática se tenha desaparecido completamente, para precaverem os filhos dos sortilégios ou “más oiadias” das feiticeiras, as mães costumam dependurar-lhes, ao pescoço ou esconder-lhes na cintura um “esguarde”, uma espécie de antídoto para as nefastas acções da “oiada”. Ainda que hoje em dia cada vez menos pessoas acreditam em bruxarias, o sititchi continua ainda sendo usado discretamente por certa camada da nossa população sobretudo nas zonas rurais do arquipélago.
De Santo Antão recolhemos esta bela quadra, uma espécie de breviário musicado, para todas as mães que temem pela saúde dos seus filhos:
“Quem crê sê mnine gordin / Detel ne paia de cana, cobril que pegassaia / Del café torrod pl podê criá gordin”.
Pactuadas com o diabo, as feiticeiras, conforme as circunstâncias, assumiam, muitas vezes, formas de animais (cães, gatos pretos, porcos, bodes, etc.) perseguindo nos caminhos e nas encruzilhadas os incautos transeuntes da noite, aos quais apenas restava um único expediente: zurzir nelas, de cada vez, três chibatadas, sendo duas no ar e somente a terceira era vibrada no corpo do bicho. A aplicação desta técnica repetia-se até que a feiticeira, de rabo alçado, punha-se em fuga muitas vezes em estado deplorável.
Importa referir neste ponto que as encruzilhadas, conforme crença popular, eram lugares ensombrados por espíritos malfazejos, razão por que se erguiam nichos e capelas nestes lugares, convidando os transeuntes à paragem e à reflexão.
Artimanhas contra o mau-olhado
Contam os mais velhos que havia uma mulher, no Paúl, mãe de duas crianças, que não lograva ter mais filhos que sobrevivessem, a partir do dia em que uma feiticeira resolveu ir residir no mesmo local que ela. A senhora andava muito triste com a sua desgraçada situação. Fez votos, peregrinações, promessas, mas tudo em vão. Até que um dia uma vizinha aconselhou-a que convidasse a feiticeira para madrinha do filho ainda no ventre. A feiticeira ficou tão radiante que aceitou logo o convite. Quando a criança nasceu fizeram-lhe um baptizado com toda p***a e circunstância. Desde esse dia a pobre mulher viveu tranquilamente e em paz com a feiticeira, agora sua comadre.
Fonte: Expressodasilhas
Imagem: Hibrarin Dias