04/07/2023
Apresentação do livro 'És meu, disse ela', de António Manuel Ribeiro, no passado dia 30 de Junho, na Biblioteca de Santa Comba Dão
A Biblioteca Municipal Alves Mateus (BMAM) recebeu na noite de 30 de junho, o músico e poeta António Manuel Ribeiro para a apresentação de "És meu, disse ela", uma obra marcadamente pessoal, que o autor descreveu não como o livro que quis, mas como o livro que precisou. Nas mais de 400 páginas que o compõem, o leitor encontra toda a história de stalking (perseguição) vivida na primeira pessoa pelo autor, num enredo intrincado e com pormenores inacreditáveis, que durou nove anos. Uma mulher que assinava como "Cristina/82", e de quem António Manuel Ribeiro nada sabia, perseguiu-o, incansavelmente, com milhares de mensagens e chamadas, esperas, presentes indesejados e perseguições de carro. A privação de liberdade dominou a vida do músico, que não conseguia dar um passo sem encontrar esta fã descontrolada. Uma perseguidora física e digital, que rapidamente passava de um registo terno para um desvario ameaçador, com mensagens que envolviam palavras como morte, faca, tiros e ácido sulfúrico.
O encontro com o escritor celebrou o Dia Mundial das Bibliotecas e teve lugar no ambiente intimista da sala de leitura da BMAM. O enquadramento ficou a cargo de Elisabete Almeida, coordenadora da Biblioteca, que falou do autor e da obra, apresentando os convidados desta iniciativa promovida pelo Município de Santa Comba Dão. A tertúlia envolveu o agente cultural Nuno Furet, amigo de longa data de António Manuel Ribeiro, que moderou uma conversa enriquecedora com o autor, o Sargento Ajudante Toni Martins, do Núcleo de Investigação e Apoio a Vítimas Específ**as da Guarda Nacional Republicana (GNR), o psicólogo Bruno Meireles, dos serviços de psicologia do Município e Ana Paula Monteiro, professora universitária e investigadora da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, co-autora de um estudo sobre cyberstalking.
Perante uma assistência interessada, Nuno Furet partilhou os contornos gerais da história vivida por António Manuel Ribeiro, dando a conhecer alguns dos episódios desta perseguição e das mensagens obsessivas e ameaçadoras enviadas por "Cristina/82" ao músico. Um quadro de stalking mediático que, de acordo como Bruno Meireles e Ana Paula Monteiro, poderá remeter para um conjunto de distúrbios psicológicos, como a mitomania e erotomania.
Este comportamento obsessivo e de controlo encontra, também, de acordo com Toni Martins da GNR, vários pontos em comum com a postura do agressor em casos de violência doméstica, que deu como exemplos a perseguição, o ciúme e as mensagens ameaçadoras. "O que temos aqui é, no fundo, um processo de violência doméstica em que não há qualquer relação", sublinhou.
De uma forma próxima e bastante reveladora, António Manuel Ribeiro falou, na primeira pessoa, sobre esta história de violência psicológica – que condicionou, a todos os níveis, a sua vida pessoal e familiar – bem como da "luta hercúlea" que travou com a justiça para voltar a ter vida.
O músico não poupou críticas ao sistema judiciário português pela morosidade e ineficácia naquele que foi o primeiro caso de stalking/perseguição a ser julgado no país. Como vítima, António Manuel Ribeiro falou da falta de enquadramento existente e de como a justiça portuguesa não dá o peso devido a este tipo de crime, apesar da existência da Lei n.º 83/2015 que veio a instituir o crime de perseguição.
Num encontro em que a se analisaram comportamentos persecutórios, não faltaram alusões à violência no namoro, ao bullying e a a outro tipo de comportamentos que conduzem ao medo, isolamento e humilhação das vítimas.
Após um breve período de debate, registo para um pequeno concerto intimista, propiciado por António Manuel Ribeiro, que encantou os fãs presentes com temas clássicos e outros mais recentes, como a música "Ucrânia Livre". O encontro terminou com uma sessão de autógrafos.
Ao dispor.
Com os nossos melhores cumprimentos,
Elizabete Almeida
Coordenadora da Biblioteca