22/08/2013
Olá pessoal,
Vou fazer então o resumo da nossa chegada ao Nordkapp.
Saímos da casa da Annbjørg no Domingo, dia 11, sem peso porque ela, para nos facilitar a vida, levou-nos a carga até à casa da sua avó que vivia a 80 km de Lakselv e assim, quando passássemos por lá, recolheríamos as nossas malas e seguíamos viagem.
O Tiago ficou extremamente entusiasmado, pensava que, sem carga, a Abília ganhava asas e chegávamos mais depressa ao Nordkapp do que um avião. Enganou-se! Obviamente que pedalamos mais rápido e sentimos a bicicleta mais leve mas, as subidas custaram-nos à mesma! Quando colocámos a carga já estávamos cansados e com bastantes dores no traseiro, mas seguimos porque queríamos fazer pelo menos 100km naquele dia.
Parámos num parque de campismo para descansar um pouco e ver se petiscávamos algo,estávamos nós ao balcão quando fomos surpreendidos com um “Desculpem, mas são portugueses?!”. Incrivelmente, encontrámos uma portuguesa no meio daqueles nenhures na Noruega, estivemos um pouco à conversa, contou-nos que saiu a correr de casa quando viu uma tandem a passar com uma bandeira portuguesa e, antes de regressar a casa, esclareceu-nos um pouco como é para um português imigrar para a Noruega e deixou-nos uma ponta de esperança no nosso futuro por aqui.
Quando já estávamos sentados a comer uma bela sandes de salmão fumado, a Catarina veio ter connosco novamente mas com a companhia de mais dois portugueses, o Miguel e o Pedro! Foi uma bela surpresa, podemos descansar e conversar (em português!) sobre diversos temas e rir bastante com as piadas e jeito típico português!
Seguimos caminho mais animados, o grupo falou-nos de uma boa zona para acampar junto ao Oceano Ártico e acabámos por fazer 90 km até a encontrar.
Enquanto o Tiago acabava de montar a tenda, fui buscar a Abília que estava no chão a uns metros de nós. Ele sabe bem que sou trapalhona e desastrada por isso avisou-me antecipadamente para ter cuidado com o espelho, fui concentrada para não o partir mas, assim que me aproximei, senti-o a estalar... Tinha as botas de montanha calçadas, e têm uma biqueira tão dura que nem tenho percepção da distância a que estou das coisas!
Fiquei tão irritada, peguei na Abília e, enquanto caminhava em direcção à tenda, pensei na desculpa que ia lhe dar, mas os meus pensamentos foram interrompidos por uma travagem brusca da Abília e de um barulho de algo a estalar.
“Oh meu Deus, o que fiz eu agora?” - pensei.
Nem tive tempo de averiguar, porque o Tiago apercebeu-se logo da asneira e já me estava a dar na cabeça...
Oh Telma! Não viste que os elásticos estavam presos na roda?! Partiste os elásticos! E agora? Como prendemos a bagagem, Telma?!
(Eu calada que nem um rato, praticamente em choque e super enervada por saber que ele tinha razão!)
-E... e partiste a m**** do suporte! Perdeste o parafuso! E agora?! ACABOU! A viagem acabou!
(Virei-lhe as costas e fui procurar o parafuso que tinha caído no meio de milhares de pedras)
Não vale a pena andares à procura, não o vais encontrar! - disse-me mais calmo.
Foi buscar uma braçadeira e tentou remediar a questão assim. Pedi desculpa e ele, mais uma vez, riu-se da minha cara e abraçou-me.
No dia seguinte, escrevemos os nossos nomes numa das milhares de pedra que haviam à beira mar e colocámos num monte delas também assinadas. Observámos uma excursão que tinha chegado de autocarro para uma pausa e reparámos em pequenas regalias que para nós já eram consideradas como luxos, como um bar no interior do autocarro, bancos confortáveis, ar condicionado, mas, pensando bem, eles também não têm o luxo de poder ver tudo ao pormenor como nós e conhecer realmente as terras por onde passam.
Pouco depois, encontrámos algo que já não víamos há muito tempo: um carro com matrícula portuguesa!
Não tínhamos muita comida e o próximo supermercado estava a 80 km, em Honningsvag, com grandes obstáculos pelo caminho como subidas infinitas e um túnel com cerca de 8 km em que metade era a descer e outra metade a subir com 9% de inclinação. Já nos tinham falado imenso sobre esse túnel, disseram-nos que era muito escuro, frio e que era praticamente impossível passá-lo a pedalar, ou seja, estávamos em pânico!
Quando chegámos à entrada do túnel, petiscámos qualquer coisa, vestimos algo mais quente e colocámos o colete refletor. Estava também um autocarro estacionado e as pessoas que saíram para fotografar aquela zona, observavam-nos pasmadas e com ar de “pobres coitados, vão passar isto de bicicleta!”.
O Tiago colocou a Rollei na cabeça e seguimos, a medo, por ali a dentro. Era escuro mas estava bem iluminado, era assustador porque tinha turbinas de cem em cem metros a fazer um barulho enorme que nem ouvíamos os carros a passar, tivemos frio a descer (fiquei sem sentir os pés) mas a subir suámos e bem. A descida soube bem, mas o Tiago travava constantemente para não perdermos o controlo, a subida foi de implorar aos céus que acabasse, o ínicio foi fácil porque íamos com o balanço da descida, o meio foi tolerável mas o fim, a pico, foi insuportável! Fizemos uns 500 metros a pé porque eu já não tinha fôlego nem forças, quando saímos dali apeteceu-me beijar o chão!
Na ilha de Honningsvag, a estrada começou a aplanar, com súbidas que já não me faziam desesperar só de as ver, chegámos à cidade e fomos a correr para o supermercado comprar toda a comida para os dias seguintes pois íamos acampar no Cabo Norte onde, obviamente, não havia supermercados. Comemos algo ali mesmo, à porta, mas o St. António não nos dá descanso e começou a chover, lá fomos à corrida até à bomba de gasolina, onde ficámos umas duas horas à espera de melhoras.
Já passavam das dez da noite, sabíamos que o caminho até ao Cabo Norte era bastante duro e já estávamos cansados mas, para além de não podermos f**ar ali na cidade, não conseguíamos parar portanto seguimos, até ao próximo parque de campismo ou até mais além.
Parámos uns 5km depois da cidade, no primeiro parque de campismo, era caro e já era tarde portanto, siga. Siga e sobe, sobe, sobe, até mais não! Foi uma subida tremenda, custosa, dolorosa, que parecia que não tinha fim, chegámos ao topo e descemos a alta velocidade, estávamos a curtir a descida mas a pensar já na subida seguinte.
Entretanto começou a chover, com a chuva veio o desgaste, o cansaço, a raiva e comecei a gritar para o ar e a reclamar por não termos parado há mais tempo para montar a tenda, esquecendo-me que eu mesma concordei com a ideia de seguir até dar. Começa a segunda subida, faltavam 15 km para o fim, sempre que olhava para cima os quilómetros multiplicavam-se por mil, estava a chover a potes mas sufocava com calor e, a faltarem uns cinco quilómetros, não aguentei mais e tivemos que seguir a pé. Carros e caravanas a passar, buzinavam e acenavam, nós a pingar, a arrastar os pés e a empurrar a Abília que chiava como nunca.
A chuva parou finalmente, mas chegou o nevoeiro, não víamos mais que um metro à nossa frente, lá fomos a pedalar e a travar a medo, eu cantava e gritava como se já estivesse chegado. Finalmente vimos o placar a dizer NORDKAPP! Parecia irreal, estávamos a chegar ao destino, era uma hora da manhã mas ainda estava de dia, ali que devia gritar até f**ar sem pulmões, saiu-me um único grito de dois segundos e fiquei muda.
Aproximámo-nos da tal esfera que já tinha visto centenas de vezes na Internet e que, naquele momento, estava ali ao meu alcance. A sensação de chegada é difícil de explicar, pensei em vários momentos da viagem em que aquele momento me parecia tão longe e impossível, desde os primeiros dias em Portugal, aos dias difíceis na Finlândia. Foi emocionante, estávamos ali os dois, depois de tanto esforço, de tantas aprendizagens, de um crescimento mutuo, chegámos ao fim. Apoiámo-nos sempre um ao outro e isso foi essencial para não termos desistido, a nossa relação evoluiu, unimo-nos mais, compreendemo-nos melhor e, agora, somos inseparáveis. Esta foi, sem dúvida, uma grande prova para a nossa relação, 24 horas sobre 24 horas a lidar com uma pessoa não é fácil mas, para nós, foi óptimo! Não vou dizer que não houveram discussões, porque houveram bastantes, não vou dizer que não houveram momentos que nos apetecia mandar o outro de volta porque houveram, mas digo-vos que se nos afastássemos um do outro mais que dez minutos, estranhávamos, digo-vos que nunca estávamos chateados mais do que umas horas, digo-vos que tudo o que vimos e vivenciámos, partilhámos a dois e isso foi essencial para que esta viagem tenha um desfecho positivo porque como o Jon Krakauer disse no Into the Wild: “Happiness is only real when shared”.
Tirámos a fotografia memorável, ligámos orgulhosos e contentes aos familiares, enviámos algumas mensagens aos amigos, fomos montar a tenda e adormecemos como uns anjinhos como se estivéssemos em casa.
No dia seguinte, visitámos o espaço, tinha uma exposição interessante sobre a evolução daquela zona. Sentiamo-nos um pouco baralhados porque ainda não acreditávamos que estávamos ali, parecíamos duas baratas tontas.
Também estivemos com o casal de portugueses que encontrámos pelo caminho, foram uma bela companhia, conversámos imenso e deram-nos boleia para Honningsvag porque, devido à gritaria da noite anterior, fiquei com dores de garganta e febre, acho que o facto de saber que tinha que subir aquilo tudo outra vez ainda me pôs mais doente, mas isso são pormenores. Eles não tinham espaço para colocar a Abília, fomos-nos informar ao autocarro sobre o preço de levar só a bicicleta e, como se sensibilizou com a nossa história, não nos cobrou nada!
Ficámos em Honningsvag, fomos comprar comida e seguimos para cima outra vez para ir ao encontro do casal que nos "ofereceu" boleia para Trondheim, viviam a uns cinco quilometros dali mas era semprea subida, contudo até fomos rápidos.
Acampámos no quintal deles com direito a banho, eletricidade e Internet. No dia seguinte partimos até Trondheim e demorámos 24 horas a cá chegar. Foi a viagem mais longa e aborrecida das nossas vidas! :)
Até já,
T&T