10/06/2014
"Ui, a inveja! Vejam lá que a última palavra d’Os Lusíadas não é amor, nem saudade, nem pátria, nem sequer salmonela, é inveja."
Inveja
O excepcionalismo lusitano já nos deu o imorredoiro mito da saudade, sentimento desconhecido de outros povos, que lidam mal com tamanha privação. Só um português sabe o que é a saudade, o sofrimento provocado pela distância da terrinha, da mãezinha e da merdinha. Os outros bem que se podem esforçar que nunca atingirão os cúmulos de sensibilidade a que estas três sílabas, como três degraus místicos, nos permitem aceder. Como nós gostamos de nos esvair em explicações poéticas sobre a saudade perante um estrangeiro! Ficamos logo em estado Amália Rodrigues, cobertos por xailes imaginários, pequeninos mas de alma em erecção, sardinhentos, afadistados, metendo por atalhos que normalmente acabam no beco sem saída do “é um sentimento impossível de explicar”, dito com superioridade civilizacional, como quem acusa o outro de não ter o equipamento místico adequado para captar as subtis reverberações da saudade.
Como o negócio da excepcional saudade lusitana já conheceu melhores dias, regressam outros, como a inveja. Ui, a inveja! Vejam lá que a última palavra d’Os Lusíadas não é amor, nem saudade, nem pátria, nem sequer salmonela, é inveja. Eu pensava que a inveja existia em todas as sociedades, que era um defeito universal, mas se me atrevo a dizê-lo em público levo logo com a última palavra d’Os Lusíadas como argumento insofismável. Nós é que somos invejosos. A inveja é nossa.