22/01/2025
Na companhia de Ricardo Moura: o fiscalizador das primeiras edições da Feira do Fumeiro
O calor da lareira em Padornelos parece conservar memórias de um tempo que se recusa a ser esquecido. Foi ali, no conforto simples de um lar feito de pedras do Barroso, que Ricardo Moura e a sua esposa, Aldina, receberam a jornalista em 2019. Ele, fiscalizador de ofício e coração; ela, a presença constante numa casa onde a tradição tem um pedestal.
Ricardo Moura não se apresenta como herói do Fumeiro de Montalegre, mas cada palavra deixa transparecer a responsabilidade que um dia assumiu. “Estive lá três anos na entrada e na saída de tudo o que entrava e saía”, contou, com a segurança de quem viveu a intensidade de um trabalho que exigia mais do que olhos atentos. “O fiscalizador tem de fiscalizar, claro, o bom e o mau que entra.” A frase, despretensiosa na forma, traz consigo o peso de uma missão: garantir que a Feira do Fumeiro fosse, desde o início, um palco da genuinidade.
A descrição do trabalho mistura-se com a poesia das imagens que Ricardo cria ao narrar os dias passados entre fumeiros, presuntos e sabores. “Havia muito material que não estava em condições. Não estava estragado, mas não estava ao nível do que aquilo devia ser”, recordou. Era a vivência, o sentido apurado de quem conhece a terra, os cheiros e os sabores como se fizessem parte do próprio corpo.
A equipa que formou com “o primo Moura” , o veterinário municipal, e Zé António, o encarregado da câmara, era funcional e essencial. Cada um desempenhava o seu papel com rigor. Ricardo, entre análises visuais e provas, era o ponto de equilíbrio. A primeira edição da feira ainda hoje vive nas suas memórias como algo “espetacular”. O tom nostálgico com que descreve esses dias não esconde a satisfação de quem contribuiu para algo maior do que ele próprio.
Ricardo tornou-se um defensor ferrenho da autenticidade, mesmo que isso o afastasse de alguns. “Houve agricultores que f**aram chateados porque eu não os deixei entrar com a mercadoria. Até hoje não me falam”, confessou, com a tranquilidade de quem sabe que a integridade é inegociável.
Hoje, já retirado dessa função, Ricardo olha para trás com a certeza de que fez o que tinha de ser feito.
E ali, junto à lareira, com Aldina ao seu lado, Ricardo Moura parece carregar consigo a essência de um mundo que não pode ser perdido. A sua história é, afinal, a história de todos os que sabem que o coração de uma terra pulsa nas suas tradições.
MJA