05/02/2015
Autora: Denize Carolina Auricchio Alvarenga da Silva Historiadora e Educadora
Não podemos lidar com a trajetória cigana da mesma forma com que tratamos do percurso de outros povos que possuem documentos e registros escritos pelos próprios. Sua história é contada a partir do contato com outras sociedades; os interessados na reconstrução de sua história usaram, principalmente, acervos de arquivos oficiais de locais por onde eles passaram. Alguns utilizaram-se do contato no cotidiano e de história oral como Maria de Lourdes Sant’ Ana que conviveu durante dois anos em Campinas com seus habitantes Ciganos e Alexandre Mello Moraes Filho e seus colaboradores do Rio de Janeiro.
Lendas e Hipóteses sobre as origens
Para uns eles seriam indianos, outros acreditam que egípcios. Não faltaram também hipóteses de que teriam vindo de algum outro lugar da Ásia como a Tartária, Silícia, Mesopotâmia, Armênia, Cáucaso, Fenícia ou Assíria. Alguns deram crédito às hipóteses de serem europeus de regiões afastadas da Hungria, Turquia, Grécia, Alemanha, Bohemia ou Espanha (em um misto de mouros e judeus), ou mesmo de africanos de outras regiões (que não o Egito) como a Tunísia. Mas através de pesquisas estas hipóteses foram sendo descartadas e delas apenas duas continuaram sendo examinadas pelos ciganólogos: a origem egípcia e a indiana.
Ao longo de suas andanças seculares os ciganos incorporaram culturas de diversos países, o que dificulta enormemente os estudos que tentam reconstruir sua origem e dispersão pelo mundo.
Ciganos e alguns estudiosos recorreram a Bíblia para explicar suas origens; definiram-se como descendentes de Caim “Sela, de seu lado deu à luz Tubal Caim, o pai de todos aqueles que trabalham o cobre e o ferro” (Gênesis, capítulo 4,versículo 22). Aplicou se também um texto de Ezequiel (capítulo 30, versículo 23) “Dispersarei os egípcios entre as nações, eu os disseminarei em diversos países”, este último trecho foi associado, pois eles eram conhecidos como egípcios quando chegaram a Europa.
Outras versões ainda resistiram ao tempo como a descendência de Caim e por isso o castigo de vagar pelo mundo, a hipótese de terem sido os fabricantes dos pregos que crucificaram Jesus, ou que teriam roubado o quarto prego tornando assim mais dolorosa a pena dele. E ainda que eles seriam os responsáveis pela segurança de Jesus, mas não puderam impedir que o levassem pois estavam bêbados. Há também a teoria que antes da Natividade os egípcios teriam recusado hospitalidade a Santa Família e como punição seus dependentes foram condenados a levar uma vida errante.
Apenas no século XVIII começou a ser discutido o assunto com mais seriedade e lingüistas apontaram indícios mais palpáveis da origem indiana em 1753 quando se comparou o idioma romani com o sânscrito, mais precisamente o hindi que é uma de suas derivações. A partir de análises comparativas de seus costumes e linguagem com outros de diferentes povos, os estudiosos foram apontando datas aproximadas de sua presença nos locais onde passaram um tempo considerável e adquiriram parte de sua bagagem cultural. Ainda há divergência entre pesquisadores da ciganologia, mas os estudos mais recentes apontam para a origem indiana.
Ao chegarem a Europa diziam ter vindo do Egito condenados por Deus a viverem desterrados devido ao pecado de seus antepassados de se negarem a acolher a Virgem Maria e seu filho. Mais tarde se verificou que não eram originários do Egito, mas já estavam conhecidos popularmente como egípcios, apesar de não saberem informar onde ficava essa região. Também não é provado que a denominação de egípcios tenha vindo dos ciganos, pode ter sido uma definição dos europeus para explicá-los, se baseando na escritura de Ezequiel que fala da dispersão dos egípcios. Outra evidência é a falta de elementos egípcios no dialeto cigano.
Comparando se a língua, tipo físico e algumas crenças religiosas delineia-se uma trilha geográfica que permite localizar os ciganos na Índia. Mas a região exata ainda não está definida, acredita se que teriam vindo Sind, Punjab ou de outro ponto. Outro estudo foi feito a respeito de características físicas e relatos dos caracteres dos ciganos comparando com os hindus e as principais semelhanças são o rosto comprido e estreito na altura dos pômulos, cabelos e olhos negros, pele bronzeada, nariz um pouco agudo, boca pequena, estatura variando de regular a alta, corpo robusto e algo que apesar de não ser físico era notável: a agilidade.
A Dispersâo - Uma História de Perseguiçao e Sofrimento
Infelizmente pouco sabemos a respeito dos ciganos que, sempre, em grupos numerosos vem há tantos séculos penetrando em diversos territórios pelo mundo.
Alcançaram os Balcãs nos primeiros anos do século XIV e depois de um período de cem anos já estavam espalhados por toda a Europa. O surgimento desses errantes na Europa coincide com uma época de perturbações sociais e intenso movimento nas estradas.
Independente da precisão da entrada dos ciganos na Europa sabe-se que o caráter misterioso deles transformou a curiosidade inicial em hostilidade devido a seus hábitos muito diferenciados. Eram considerados inimigos da Igreja que condenava suas práticas sobrenaturais como a cartomancia e a leitura das mãos. A partir do século XV esses ciganos migraram também para a Europa Ocidental, onde quase sempre afirmavam que sua terra de origem era o Pequeno Egito, por isso foram denominados egípcios, egitano, gipsy entre outros. Alguns grupos se apresentaram como gregos e atsinganos e ficam conhecidos com grecianos na Espanha, ciganos em Portugal e Zingaros na Itália. Na Holanda a partir do século XVI se utiliza a denominação heiden, que significa pagão. Na França também foram chamados de tsi – ganes, manouches, romaniche e boémiens.
Distribuíram-se por várias zonas da Europa, mas as razões históricas que levaram ao seu nomadismo devem-se essencialmente à sua difícil integração social. Devido ao tom escuro da sua pele, eram vistos nas terras aonde chegavam pelos gadje (estrangeiros em romani) como malditos ou enviados do demônio. Também pelo fato de alimentarem práticas de quiromancia e adivinhação fez com que fossem repudiados pela Igreja Católica e pelas diferentes religiões cristãs.
Os preconceitos e a hostilidade geraram diversos tipos de perseguições. Na Europa, a perseguição aos ciganos não se fez esperar. O Estado que viu no seu nomadismo uma ameaça social, mais propriamente através da Inquisição, desencadeou os seus mecanismos de perseguição. Os ciganos foram assim proibidos de usar os seus trajes típicos, cujas cores berrantes e gosto extravagante fugiam à norma social, de falar a sua língua, de viajar, de exercer os seus ofícios tradicionais ou até mesmo de se casar com pessoas do mesmo grupo étnico. Isto fez com que os traços fisionômicos dos ciganos se alterassem, e por isso não é hoje invulgar encontrar ciganos de olhos claros e cabelo louro. Em alguns países foram mesmo reduzidos à escravidão: na Romênia, os escravos ciganos só foram libertados em meados do séc. XIX, através da apresentação de um projeto resultado de uma campanha de libertação apresentado a Assembléia e em 1855 libertaram-se os duzentos mil ciganos feitos escravos pelos senhores moldo valáquios, outros pertenciam ao Estado e ao clero. Também foram escravos na Hungria e Transilvânia sob as acusações de roubo, antropofagia e outras violações da lei. Na Boêmia os ciganos tinham a orelha esquerda cortada se aparecessem na região e lá também foram acusados de canibalismo. Em períodos mais recentes, juntamente com os judeus, prevê-se que talvez cerca de meio milhão tenha perecido no Holocausto. Os seus cavalos foram mortos a tiro, os seus nomes alterados (daí que não seja invulgar encontrar ciganos com nomes dos gadje) e as suas mulheres foram esterilizadas. Os seus filhos foram brutalmente retirados às suas famílias e entregues a famílias não-ciganas.
Na Hungria e Pensilvânia sob pretexto da antropofagia são esquartejados e enterrados vivos nos pântanos.
Na Sérvia também foram mantidos escravos até meados do século XIX e a sua caça era feita com muita crueldade. Deportações, torturas e matanças ocorreram em vários pontos desse país.
Hordas de ciganos vindos dos Pirineus chegam a Espanha banidos dos países que já tinham passado. Foi um período de paz durante o reinado de Carlos III que os utilizou nas artes, mas governos posteriores derramaram contra eles perseguições, tirando seus empregos e privilégios. Numerosos emigraram para Portugal, indo mais tarde alimentar as chamas da fogueira da Inquisição de D. João II que promulgou leis de punição. Documentos atestam que chegaram na Inglaterra por volta de 1430 e logo se espalharam pelas Ilhas Britânicas, País de Gales, Irlanda e Escócia, onde também foram perseguidos e em 1563 as autoridades ordenam que abandonem o país em três meses sob pena de morte. Acreditando que os ciganos vinham do Egito, os ingleses chamaram os de "gypsies". Trabalhavam como menestréis e mercenários, ferreiros, artistas, e damas de companhia.
Na Espanha um decreto de 1449 ordena o desterro de todos os que não tenham ofício reconhecido, nos séculos XVI e XVII são perseguidos e torturados para confessarem seus crimes. Em 1663 Felipe IV os proíbe de se reunirem, de usarem seu idioma, suas roupas e danças. O objetivo era a desculturalização e desintegração como grupo até que em 1783 sob o reinado de Carlos II fez se uma política mais favorável e foram, considerados neo castelhanos.
Depois de atravessarem a Pérsia e viverem durante séculos no Império Bizantino, foram para norte no séc. XIV. Portugal foi um dos países que deportou muitos ciganos para as suas colônias, neste caso África e Brasil.
No século XVIII os ciganos são o avesso do ideal social da época, o século das luzes honra o trabalho.
No final do séc. XIX houve uma terceira migração de ciganos do leste Europeu para os EUA. Sem pátria, num mundo onde tudo muda a uma velocidade alucinante, o destino previsto para os ciganos é, muitas vezes, sombrio.
Após a Segunda Guerra Mundial, muitos ciganos das áreas rurais da Eslováquia foram forçados pelos governos a trabalhar nas fábricas da Morávia e da Boémia, as regiões centrais, mais industrializadas, do território checo. Porém, em 1989, com a Revolução de Veludo e o fim do comunismo no país, os ciganos foram os primeiros a perder os seus empregos, até então garantidos por um regime que pregava a igualdade e homogenia social. É verdade que existe uma pequena e assimilada elite intelectual cigana, mas a maioria dos ciganos da Europa Central ainda vivem em esquálidos cortiços das grandes cidades. Junte-se a isso as perspectivas econômicas sombrias, um surto de ataques neonazistas e o fascínio que a prosperidade ocidental exerce e temos um panorama desolador da região do mundo que mais ciganos alberga. O resultado é que milhares de ciganos emigram para países ocidentais, onde trabalham ilegalmente, pedem esmola ou buscam asilo político. Estima se hoje que existam 10 milhões de ciganos, 60% vivendo na Europa Oriental. A Romênia com 2,5 milhões de ciganos abriga a maior concentração mundial. Em vários países europeus e em demais continente onde emigraram vivem populações flutuantes em que se atribui origem nômade, mas com marcas culturais bem definidas. As denominações variam conforme o lugar que estão. Mesmo possuindo uma só origem, o povo cigano, durante perseguições e injustiças ao longo dos séculos, tentam conservar sua cultura e tradição inalteradas até os dias de hoje. Uma prova disto é o romanês, o idioma universal cigano falado pelos clãs no mundo. Atualmente, dentre dezenas de grupos ciganos, os que predominam são os seguintes:
Grupo Kalon – falam o calon, são originários do Egito; durante séculos situaram-se na Península Ibérica (Portugal e Espanha) e se espalharam por outros países inclusive da América do Sul deportados ou migrantes. Os Kalons, em algumas situações, tiveram que ocultar sua origem, criando um dialeto próprio, extraído da língua regional. O nomadismo é maior entre esse grupo.
Os Rom ou Roma falam a língua romani e são divididos em vários sub grupos com denominações próprias como os Matchuaia (originários da Iugoslávia), Lovara e Churara (Turquia), Moldovano (originários da Rússia), Kalderash (originários da Romênia) Marcovitch (Sérvia), .
Sinti falam a língua sintó e são mais encontrados na Alemanha, Itália e França, onde também são chamados Manouche. Fazem parte desta divisão as famílias Valshtiké, Estrekárja e Aachkane todas francesas.
Ciganos, ao contrário dos judeus, nunca demonstraram um desejo de ter o seu próprio país, assumindo-se párias. Nas palavras de Ronald Lee, escritor cigano nascido no Canadá, "a pátria dos roma é onde estão os meus pés".