07/02/2015
NORMAS DA ANTT NÃO VISAM DIMINUIR O NÚMERO DE ACIDENTES DE ÔNIBUS
Parece que no que depender da vontade da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), o número de acidentes envolvendo ônibus rodoviários vai continuar no mesmo patamar ou até com viés de alta em algumas regiões do Brasil, entre as quais se destacou no final de 2014 e o inicio desse ano o Rio Grande do Sul, seguido por Santa Catarina e Paraná. Nos três Estados a gaúcha Unesul teve seus ônibus envolvidos em acidentes, chegando ao recorde histórico nacional de 10 acidentes entre 6 de dezembro de 2014 e 31 de janeiro de 2015. Em 55 dias corridos creio inexistir outra empresa no Brasil que em algum tempo supere a Unesul nesse triste recorde.
O último acidente envolvendo ônibus da Unesul ocorreu agora no dia 31 de janeiro, na cidade catarinense de Xanxerê, quando um Marcopolo Paradiso 1200 G6 da empresa colidiu com um caminhão da empresa Expresso São Miguel. Dos 17 passageiros embarcados no coletivo apenas uma senhora ficou levemente ferida. Em Santa Catarina a empresa Reunidas também teve um carro seu envolvido num grave acidente, com nove passageiros mortos e 33 feridos. No Paraná, num dos trevos de acesso a cidade de Ponta Grossa, um ônibus da Viação Garcia tombou, provocando uma morte e vários passageiros feridos. Todos os acidentes ocorridos nesses dois meses ainda não tiveram os inquéritos policiais divulgados, estão em fase de investigação e coleta de dados.
Um fato chamou a atenção em todos eles, o elevado número de acidentes provocados pela direção perigosa, velocidade incompatível, imperícia e cochilar/dormir ao volante. Isso se chama Ato Inseguro, onde a falha que originou o acidente é culpa do motorista e não da via ou do ônibus. Se fosse uma falha mecânica do coletivo seria o acidente tipificado como Condição Insegura. Parece não ter sido esta a causa em nenhum dos acidentes. O que estará acontecendo então? Falta de treinamento para os motoristas? Carga horária excessiva de horas ao volante? Motoristas inaptos ou a soma de todos estes fatores? Parece-me que em algumas empresas as diretorias/gerências de tráfego não têm dado a devida importância no treinamento de motoristas e/ou na contratação dos mesmos.
E onde anda a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) que não investiga a fundo os acidentes para tirar suas conclusões e tomar as devidas providências em tempo hábil? Diante de tantos acidentes, sabem o que o órgão tem feito? Limitou-se a visitar ônibus no litoral catarinense, região onde não teve acidentes e verificar se os passageiros estavam utilizando os cintos de segurança. Apenas miseravelmente isso. Ir nas empresas, verificar o cartão ponto dos motoristas, ver a quantidade de horas extras de cada um, cobrar organograma de treinamento, não se tem notícia. A ANTT dedicou o seu tempo após tantos acidentes em atacar as vítimas (os passageiros) e não o correto, que seria vigiar o causador das vítimas, que foram os motoristas. Do que adianta os passageiros usarem o cinto de segurança se o motorista cochilar ao volante e/ou rodar em velocidade incompatível, excessiva?
F**a claro que a adesão do Brasil ao projeto da Organização Mundial da Saúde, visando uma década de ações para reduzir acidentes não conta com a participação da ANTT. E que o “Pacto Nacional pela Redução dos Acidentes de Trânsito – Um Pacto pela Vida” não deve incluir o segmento do transporte coletivo urbano e rodoviário por ônibus, pois, do contrário, a ANTT estaria bem mais atuante e rápida do que está. O que este órgão do governo vem fazendo e que está visível no edital do processo de licitação das linhas regulares interestaduais demonstra cabalmente que as atuais normas, defasadas, pondo em risco de vida os passageiros, motoristas e usuários das rodovias, não será modificado, atualizado e em concordância com normas internacionais de prevenção de acidentes. Tudo continuará como está. Um motorista de ônibus pode dirigir até 4h30 sem parar até chegar ao ponto de parada ou destino final. Isso significa que em alguns trechos de rodovias o condutor do coletivo vai dirigir entre 300 a 400 quilômetros sem parar.
Vários estudos sérios comprovaram que a parada é importante para reduzir a fadiga ao volante. Para a ANTT parece que não é. A logística de operação em cada linha delegada conta apenas com pessoas ligadas aos departamentos de tráfego das empresas de ônibus. Não conta a opinião de um médico e/ou um técnico de segurança. A ANTT negligenciou a fadiga e os riscos que ela acarreta nas linhas cuja concessão ela mesmo delegou às empresas de ônibus. É necessário que as linhas sejam redimensionadas para que paradas ocorram a cada três horas de direção, pois isso permite ao motorista recuperar os reflexos, tomar ar puro e ambiente fora da cabine e reativar a circulação sanguínea.
A Associação Brasileira de Medicina de Tráfego, Abramet, através da diretoria de Medicina Ocupacional, defende a idéia de parada do ônibus a cada duas horas, para que o motorista não venha a ter lapsos de memória e déficit da função cognitiva, que abrange a redução da atenção, da concentração, vigília e agilidade mental. Além do mais, os passageiros também precisam da parada para poder se levantar, caminhar, se espreguiçar e melhorar seu processo circulatório sanguíneo. Na Europa, Oceania e América do Norte são realizadas campanhas desde os anos 90 com ênfase em conscientizar os motoristas a não dirigirem mais de duas horas sem parar. Computadores de bordo em alguns veículos dispõem de alerta a cada duas horas para informar que é hora de parar.
Nos Estados Unidos a National Sleep Foundation (Fundação Nacional do Sono) criou uma Ong chamada Drownsing Drivers (Motoristas Sonolentos) visando diminuir o número de acidentes por fadiga. Lá se valoriza muito a parada a cada 160 quilômetros. Lá já se comprovou que 20% dos acidentes são causados por motoristas cansados, resultando em 30% das mortes. Nesta condição o motorista reage de forma mais lenta e provoca acidentes mais violentos. Já por aqui a ANTT diz que as regras da jornada de trabalho dos motoristas se baseiam na CLT e nas convenções coletivas de trabalho feitas com o sindicato da categoria. Contudo, parece que a ANTT esqueceu que as linhas delegadas foram por outorga dela e que é necessário atualizar as normas.
Inexiste preocupação com os idosos, por exemplo, de terem que se submeter a trajetos de mais de três horas de duração e não poder utilizar o banheiro ou então se arriscar a percorrer o corredor do ônibus em movimento para irem até o toalete. Outro problema que pode se manifestar nas pessoas de mais idade ao ficarem muito tempo sentadas é a Trombose Venosa Profunda. Outra categoria de usuários não contemplada pela ANTT são os cadeirantes. Como eles se dirigirão ao toalete do ônibus? Houve até agora unicamente a preocupação com a acessibilidade deles e não com suas necessidades fisiológicas. A Polícia Rodoviária Federal, por sua vez, enfatiza a questão de que muitas horas ao volante deixa o motorista exposto a “hipnose rodoviária”.
Nesta condição o motorista até se mantém de olhos abertos, mas sem percepção da realidade à sua volta, com sinais de sonolência, perda de reflexos e de coordenação motora. Diante de tantos acidentes cabe a ANTT revisar normas e fiscalizar com rigor as horas trabalhadas pelos motoristas, pois os mesmos não podem parar na beira da estrada para tirar um cochilo, como, por exemplo, podem fazer os caminhoneiros. Não dá, há o compromisso em fazer a linha dentro do horário previsto. Para o órgão está tudo dentro de parâmetros aceitáveis autorizar viagens com até 4h30min de direção sem parar, percurso de 302 quilômetros. Resumindo, se depender de fiscalização séria e efetiva da ANTT a série de acidentes envolvendo ônibus vai continuar.
Texto/matéria: Carlos Alberto Ribeiro.
Foto: Ônibus Brasil (O.B.)