13/12/2022
PIRANHAS QUE CASTRAVAM HOMENS NAS MONÇÕES
Por: J. F. de Paula F.
Quando em 1719 foi proclamada a descoberta da grande jazida de ouro na região do Coxipó, nos termos de Cuiabá, muitas pessoas saíram de diversas partes do Brasil, se aventurando pelos sertões inóspitos do centro-oeste, navegando em canoas, movidas a remos, na tentativa de alcançar o segundo El Dourado Brasileiro.
A jornada era longa e demorada, pois navegar até o destino em um percurso de mais de 3.600 quilômetros, sob o céu escaldante não era fácil. Navegando ainda nas águas da bacia do rio Paraná, como as do Tietê e Pardo, tinha-se a opção de ao entardecer, nas paradas para o pernoite, de se refrescar nas águas, aliviando o corpo do cansaço da jornada diária de algumas léguas.
Na bacia do rio Paraguai, ao chegarem a Camapuã, os incautos viajantes se deparavam com o terrível incômodo ao se banharem nas águas cristalinas da lagoa e do pequeno córrego por onde subiam as canoas. Era a superabundância de sanguessugas, vermes hematófagos, que sedentos de sangue, fixavam-se na pele do banhista, ou do canoeiro imprudente que entrava na água para retirar as cargas. A incidência era tanta que a lagoa passou a ser chamada de Lagoa da Sanguessuga, permanecendo o nome até os tempos atuais.
Descendo o ribeirão Camapuã e o rio Coxim, os monçoeiros podiam ainda banhar-se nas águas correntes e encachoeiradas, principalmente nos afluentes que jorrando e correndo por entre as pedras lançavam suas oxigenadas e cristalinas águas sobre o leito do caudaloso rio.
Passada a última cachoeira do percurso na junção do rio Coxim com o Taquari (hoje área urbana da cidade de Coxim), a situação mudava, pois ao penetrar no pantanal, além do calor sufocante que aumentava, em razão do grande espelho d’água refletindo a luz do sol, havia a presença dos peixes predadores e devoradores de carne vermelha, as terríveis piranhas. Tomar banho nos rios do pantanal havia sempre o arrisco de ser atacado pelos vorazes peixes, além de que a pesca era mais trabalhosa pois as piranhas, como se diz hoje no linguajar dos ribeirinhos, “toravam” (cortavam) os anzóis com os afiadíssimos dentes.
"Voltava a piscosidade no Taquary, sendo considerável no Paraguai, Porrudos e Cuiabá, (...) Mas neste três rios era um desgosto pescar-se por causa das piranhas. (TAUNAY).
“ A isto se juntava um calor excessivo e chuvas continuadas. Nem podiam ter o refrigério de se banharem no rio (CONDE DE AZAMBUJA 1751 – in Relatos Monçoeiros).
Os tripulantes das embarcações monçoeiras na tentativa de evitar a perda de anzóis, objeto de grande valor naqueles sertões, logo buscaram uma alternativa para neutralizar a ação das piranhas. Encastoavam os anzóis com arame, distanciando a linha, da boca do peixe capturado. Não sabemos se a invenção do encastor, muito utilizado hoje na pesca, vem daquela época, ou se sua utilização remonta a outros tempos, pois a arqueologia aponta para a pesca nos rios do pantanal a mais de oito mil anos atrás.
“Nos mais rios, passado Camapuã, há muito peixe, principalmente no rio Taquari, Paraguai, Porrudos e no Rio Cuiabá. Mas nos rios Paraguai, Porrudos, e Cuiabá, antes de chegar nas primeiras Povoações ou roças, é um desgosto pescar, porque a cada passo estavam a se perder anzóis com suas linhas, não obstante aqueles estarem atracados com arames, e depois de meio palmo deste continua a linha. (ORDONHES 1785).
O historiador Afonso d’Escragnolle TAUNAY, ao comentar sobre o ciclo das monções cuiabanas afirma que se os rios a partir do Taquari até o Cuiabá fossem encachoeirados, o movimento migratório das monções teria sido paralisado pelas piranhas, uma vez que os tripulantes das embarcações tinham a necessidade de entrar na água, descalços para transporem as cachoeira, f**ando a mercê dos terríveis e vorazes peixes.
“Se os rios da bacia do Paraguai desde o Taquari até o Cuiabá fossem encachoeirados, as piranhas teriam paralisado o curso das monções. Não haveria mareante que ousasse atirar-se a água para empurrar as canoas e trabalhar na sirga.” (TAUNAY).
Nos escritos de época, o Juiz de Fora da Vila real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá, Diogo Toledo de Lara e Ordonhes, considerado por alguns, como o primeiro naturalista Paulista, dá a descrição do peixe piranha, quando navega pelos rios das monções.
“E a razão é porque há uns peixes do tamanho de um palmo, arredondados, que parecem com os gorazes, porém mais chatos e largos, com uma grande boca, e dentes tão cortantes, e agudos que seja o que for a que os tais peixes se agarram, infalivelmente, arrancam o pedaço: chamam-se pela língua da terra Piranhas, e pela Portuguesa Tisoura (sic). Cortam os anzóis com facilidade, principalmente se sentem alguma cousa vermelha ou sangue. (ORDONHES 1785).
Um fato histórico interessante é que o letrado juiz cita o nome do peixe na língua geral paulista, como “piranha” valorizando a cultura nativa e ao mesmo tempo cita o nome na língua portuguesa, com “tisoura (sic)” não se opondo a corrente lusa da época em confirmar o território brasileiro como puramente português, a começar pelo idioma falado e escrito de seus habitantes. Não é o caso do futuro vice-rei do Brasil, conde de Azambuja, Capitão-general e governador, legítimo português imbuído de transformar o quase continente luso-brasileiro em um imenso Portugal. Azambuja ao descrever as piranhas cita apenas o nome português “tesouras”.
“porque do Paraguay para estas minas há duas castas de peixes que o não consentem, Ao primeiro chamam tesouras; o seu tamanho é de um palmo, mas tem uns dentes tão agudos e fortes, que os ví muitas vezes cortar anzóis capazes de sustentar peixes muito maiores. (CONDE DE AZAMBUJA 1751 – in Relatos Monçoeiros).
“Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal.
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal!”
(Chico Buarque de Holanda – Fado tropical).
Embora os tripulantes ou mareantes com dizia Taunay, soubessem do perigo em tomar banho nas águas pantaneiras, era difícil para os passageiros suportar o calor escaldante do sol ao meio dia, sem dar um mergulho nas águas dos rios, ainda mais que os paulistas descendentes de nativos tinham por hábito tomar banhos algumas vezes por dia.
Os conselhos dos velhos marinheiros nada valia, pois vez por outra, lá estavam alguns a darem um mergulho, aproveitando para passar uma agua e um sabão na rota roupa de viagem, expondo-se dessa forma a ação das piranhas.
"Pouco tempo basta que apanhem um homem nágua (sic)para o deixarem em miserável estado.” (CONDE DE AZAMBUJA 1751 – in Relatos Monçoeiros).
Dizem que os portugueses tinham hábitos diferentes dos lusos-paulistas descendentes de amerindios. Na Europa na época do frio, tomava-se banho uma vez por semana, dando ensejo ao sarcástico ditado popular brasileiro - “sábado é dia de tomar banho”. Veja por exemplo o caso do Capitão General que depois de embarcar em Araraitaguaba no inicio do mês de agosto só veio f**ar pelado em Camapuã dois meses depois.
“Neste sítio (Camapuã) me despi pela primeira vez, (o que até então não tinha feito desde o primeiro dia de viagem) (CONDE DE AZAMBUJA 1751 – in Relatos Monçoeiros).
Parece não ser muito agradável, viajar sob o sol escaldante, confinado em uma embarcação, atrás de um cidadão que não tomava banho a dias, principalmente quando o vento soprava ao contrário, mesmo porque o desodorante só foi criado trinta e poucos anos depois daquela data.
Mas como resolver o problema da sudorese excessiva, sendo arriscado tomar banho em um rio cheio de piranhas? O relatório do Capitão (futuro marechal) Cândido Mariano Rondon sobre a construção da linha telegráf**a interligando Cuiabá a Coxim, nos idos de 1900, ao registrar os topônimos da época, referentes ao rio Taquari, grafa em seu mapa hidrográfico, um trecho retilíneo do rio, bem abaixo da cidade de Coxim. que mantinha o nome antigo de “Estirão-tira-catinga”, que trás indícios da solução encontrada pelo remadores dos batelões, para tomarem um banho precário sem ter que entrar na água.
No longo trecho do rio, sem curvas acentuadas, com velocidade baixa de movimento, não havia a necessidade frenética e rítmica das remadas orquestradas pelo bater do calcanhar do proeiro na embarcação. Bastava apenas o varejão do proeiro e o remo longo do piloteiro, para a embarcação deslizar suavemente pela planície pantaneira. Era o momento em que os remadores suados, lavavam seus troncos, braços e axilas, de dentro do barco em movimento, sem ter que descer às águas, imunes ao ataque das temidas piranhas.
Era difícil para os guias práticos fazer com que os passageiros atendessem a recomendação de não entrarem na água, principalmente em comboios com mais de 500 pessoas. Sempre haviam os teimosos, que de forma inconsequente entrava na água a banhar, sofrendo o ataque dos famintos peixes, perdendo pedaços de seus membros e mesmo em algum caso de teimosia perder a vida em situação adversa.
Foi o caso do famoso desenhista francês Aimé-Adrian Taunay, que viajando pelos rios das monções, participando da expedição do Barão de LANGSDORFF, mesmo sobre recomendação contraria, resolveu atravessar o rio Guaporé, morrendo tragicamente na correnteza.
Muitos monçoeiros, de forma despretensiosa, ignorando a fama das piranhas, entravam na água para se banhar, sendo atacados pelos terríveis peixes, perdendo pedaços do corpo, como dedos dos pés e mãos. Aqueles que arriscando lavar suas roupas, entrando nú, na água, acabavam sendo mutilados sofrendo castração como registra o naturalista paulista.
“Ninguém se pode lavar, por que tiram pedaços de carne e já tem chegado a castrar alguns sujeitos, (ORDONHES 1785).
Prossiga a leitura: https://www.rotadasmoncoes.com/post/piranhas-que-castravam-homens-nas-mon%C3%A7%C3%B5es (textos com figuras ilustrativas).
“Projeto Resgate, Promoção e Valorização do Patrimônio Cultural da Rota das Monções. Fundo Estadual de Defesa e de Reparação de Interesses Difusos Lesados – FUNLES / OSC Espaço Manancial/ Salt Media”.
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