Até a década de 1980, P**a era uma pitoresca comunidade de pescadores, sem televisão, sem estradas asfaltadas, onde as luzes das casas se apagavam às 8 da noite. O povo levava o seu dia a dia com simplicidade às custas do retorno das marés e dos roçados na mata.
Nas rochas da praia uma pequena imagem de São Sebastião abençoava os barcos que saíam a cada madrugada, com candeeiros acesos. No alto da barreira, nas casas de taipa, as mulheres ocupavam as lentas horas de espera ciscando o chão batido, fazendo grude, buscando água na cacimba, lavando a roupa no rio. Naqueles tempos, as pessoas tinham medo de atravessar as densas florestas que as separavam dos parentes em Tibau e da longínqua feira de Goianinha.
Ao que parece, o atual povoado de P**a foi fundado há cerca de 200 anos; no entanto, a história deste local é bem mais antiga, remontando à época em que era um acampamento de índios potiguares, posteriormente aldeiados em Arês e Vila Flor. Restos de cerâmica e ferramentas de pedra, encontrados em diversos pontos do município, atestam essa civilização desaparecida.
No início do Brasil Colônia, a região era dominada pelos franceses que, ao que parece, exploravam o pau-brasil, papagaios, peles de animais e outros produtos da Terra. Para recuperar o território, os portugueses tiveram que pegar em armas. As escaramuças se prolongaram por mais de 50 anos, porque os franceses tinham os índios como aliados. Somente no final do século XVI os portugueses conseguiram estabelecer-se no litoral do Estado, construindo uma fortaleza que era o começo da cidade de Natal, porém 35 anos mais tarde foram novamente desalojados pelos holandeses. Após a expulsão dos holandeses, em 1654, surgiu a Confederação dos Cariris, rebelião generalizada das tribos indígenas contra a escravidão, que durou de 1687 até o final do século XVII.
A região de P**a deve ter participado desses conflitos. Sabe-se que a menos de 20km houve o massacre de Cunhaú e a menos de 10km o massacre da Ilha dos Flamengos. A grande enseada, cercada por magníficas falésias, que se inicia na vila de pescadores de P**a e termina na Barra da Lagoa de Guaraíras, em Tibau do Sul, é subdividida pela Ponta do Madeiro e protegida contra ventos e correntezas pelo Cabo Verde ("Morro dos Amores").
Parece ter sido usado para ancoragem e reparo de barcos à vela, desde o início da colonização. Indica a história que na Capitania da Paraíba, na qual se englobava parte do Rio Grande do Norte, existiam quatro baías nas quais grandes barcos e iates podiam aportar, e dentre elas, o Ponto de P**as (in Fontes para a História do Brasil Holandês, de José Antônio G. de Mello, 1981, ed. MEC/STHAM/Pró-Memória). Outra citação informa que: "Os principais rios da Capitania são o Rio Grande, do qual recebeu o nome da Capitania, e no qual entram navios de muito porte, e o Cunhaú, que iates e barcos podem freqüentar, além de pequenas baías onde navios podem ser recolhidos, como Ponto de P**as, Baía Formosa, Ponta Negra e Marten Tyssens, baía ao norte do Rio Grande"(op. cit. pg 175). O nome "Ponta do Madeiro" deve remontar também a esta época, referindo-se a uma tora de madeira que teria ficado encalhado ali, nos arrecifes.
Os colonizadores trouxeram novas culturas agrícolas de outros continentes e aos poucos os coqueirais, canaviais e campos de gado tomaram conta da paisagem, juntamente com jegues, carros de boi, jangadas e vaquejadas, criando o cenário que reconhecemos como tipicamente "nordestino".
O que resta hoje do passado indígena é um povo de sangue rico e espirituoso, algumas palavras tupis embutidas nos nomes geográficos e uns remanescentes das extensas florestas, que originalmente recobriam quase toda a região.
Hoje os últimos remanescentes de floresta estão também em processo de expurgação, seguindo o mesmo impulso desenvolvimentista. O trabalho científico está mal se iniciando e já está desaparecendo o seu material de pesquisa, incluindo as novas espécies de fauna recentemente descobertas, que talvez não tenham grande chance de sobrevivência.
O grande desafio para todos os amantes de P**a é conseguir disciplinar um pouco as pressões especulativas e proteger os locais significativos, que não são apenas maravilhas da Natureza mas pontos de referência para a comunidade humana que dele tira o seu sustento e sentido de vida.