26/12/2023
ASSOMBRAÇÕES DO CASTELINHO
Remanescente da época dos casarões à beira-mar, esta excêntrica construção chama a atenção de quem passa pela Praia do Flamengo. Eclético ao extremo, o prédio centenário mistura elementos do art nouveau, barroco, neoclássico, art-decó e rococó. Até gárgulas fazem parte da decoração, assim como vitrais, sancas e esculturas de inspiração italiana. Tudo por conta e obra do arquiteto florentino Luigi Coppedè (1866 – 1927), contratado pelo comendador português Joaquim da Silva Cardoso para desenhar sua residência aqui. As águas da baía f**avam a uns cem metros da mansão, para alegria de Cardoso e sua mulher, dona Carolina, que adoravam observar as ondas.
Além da beleza de suas linhas inusitadas, é o mistério que caracteriza o Castelinho do Flamengo desde sua inauguração, em 1918. Dizem que os primeiros donos nunca entravam em determinadas partes da casa — talvez, pela quantidade de aposentos. São dezenas de quartos, varandas e terraços, e até um pequenino banheiro foi instalado na escada principal. O imóvel acabou vendido ao conterrâneo Avelino Fernandes, no fim da década de 1920. A história que se conta dele é trágica: Avelino e sua mulher, Rosalina, morreram atropelados por um bonde bem ali, diante da entrada. Assim, a filha do casal, Maria de Lourdes, foi deixada aos cuidados de um advogado. Acontece que o tutor não só explorava indevidamente as posses da família como maltratava a garota, deixando-a presa na torre. Desesperada, a pequena Maria de Lourdes teria se atirado lá de cima, quando tinha apenas dez anos de idade.
Tudo, claro, f**a no terreno da lenda urbana, já que não há registro formal da tragédia. Pelo sim, pelo não, a sucessão de infortúnios teria deixado marcas no palacete, como os estranhos ruídos de portas batendo e escadas rangendo que se ouvem lá dentro, causados pelo fantasma da garota. Abandonado a partir dos anos 1950, o casarão foi envolvido em um imbróglio jurídico e virou uma espécie de cortiço. Foi só em 1983 que o prefeito Julio Coutinho, por sugestão do escritor Pedro Nava, promoveu o tombamento do imóvel, transformado no Centro Cultural Municipal Oduvaldo Vianna Filho, com biblioteca, videoteca, exposições e eventos artísticos. Quanto às supostas assombrações, céticos dirão que os estranhos ruídos são mero efeito da brisa marinha e do calor sobre o madeiramento da casa — mas, muita gente que vem ao Castelinho do Flamengo prefere f**ar com a antiga máxima galega: “No creo en brujas; pero, que las hay, las hay”.