09/01/2025
Viajando por Portugal cozido
COZIDO À PORTUGUESA
O Verdadeiro Rei da Gastronomia de Portugal
Há um país inteiro num tacho de Cozido à Portuguesa. Se ouvirmos com atenção o fervilhar da água e o sussurro dos aromas, encontraremos o eco de gerações que, com suor e engenho, deram sentido a cada pedaço deste prato glorioso. O Cozido é muito mais do que uma simples refeição, é uma epopeia de superação, amor e conquista lusitana, onde cada ingrediente é um protagonista de histórias que moldaram Portugal.
Primeiro, a carne. O porco, o boi e o frango! Cada pedaço tem raízes no campo, onde pastores e lavradores enfrentavam as agruras do clima e da terra para alimentar as suas famílias. Há um heroísmo discreto no homem que criava o porco, que partilhava o pouco que tinha e celebrava cada inverno com a matança, um ritual de comunhão e sobrevivência. As galinhas, tratadas com o maior dos carinhos, comiam tudo e algo mais, diariamente. E as vacas, que vagueavam pelo monte à procuram dos melhores pastos. Cada pedaço de carne é um testemunho da tenacidade de quem viu no gado não só alimento mas também uma herança viva de trabalho duro e partilha.
Depois, os enchidos, o chouriço, a linguiça, o salpicão, a morcela, a moira, a alheira e a farinheira! São a poesia do Cozido. Nas cozinhas rurais, onde o fumo tingia as paredes de preto, as sagradas e sábias mulheres transformavam as sobras em arte. Temperavam a carne com alho, pimentão, louro e sal, enchiam-na de sonhos e paciência e penduravam-na no fumeiro, onde o tempo trabalhava como um artesão invisível. Os enchidos são o símbolo do engenho português, da capacidade de transformar escassez em abundância, do amor por sabores que só o tempo sabe trazer.
Os vegetais, humildes e generosos, vêm da terra, das hortas familiares, cultivadas pelas famílias, na verdade, estes vegetais, são a mãe de tudo o resto. As couves, batatas, nabos e cenouras são o fruto do labor incessante dos micro-agricultores, que dobravam o lombo ao ritmo das estações. São o reflexo da paciência e da fé em que cada semente sempre irá brotar. Cada folha de couve carrega o sal das mãos calejadas que a plantaram, regaram e colheram.
E o arroz? Ah, o arroz (carolino, naturalmente) é o nosso elo com os pântanos do Mondego e os campos do Sado, onde homens e mulheres, de pés descalços e alma imensa, moldavam a terra alagada para fazer brotar aquele grão que hoje enriquece o Cozido. O arroz é o labor paciente e a certeza de que até o mais pequeno grão tem o poder de alimentar nações.
E por fim, os condimentos. Sal, pimenta e especiarias mais diversas, são o testemunho das nossas conquistas marítimas. Vieram das Índias, do Brasil e de África, num tempo em que Portugal navegava o mundo inteiro à procura de sabores que dessem alma à comida e perfume aos sonhos. Estes temperos são a memória dos mares cruzados e das rotas traçadas pelo desejo insaciável de ir além do horizonte.
O Cozido à Portuguesa não é apenas um prato, é uma metáfora da alma portuguesa. É a prova de que, mesmo com pouco, fazemos muito. É um mosaico de ofícios, dos pastores aos agricultores, das mulheres do fumeiro aos navegadores, que nos lembra que a verdadeira riqueza está na diversidade e na partilha.
Ao servir o Cozido não se põe apenas comida na mesa, serve-se a história de um povo que nunca desistiu, que soube transformar as dificuldades em arte e as sobras em manjares. O Cozido é um banquete de histórias, uma celebração daquilo que somos: resistentes, engenhosos e apaixonados. É, sem dúvida, o prato mais incrível da nossa gastronomia! Porquê? Simples. Porque nele vive o coração de Portugal.
PS:
Queremos encontrar os melhores lugares para comer o Cozida à Portuguesa em Portugal. Desafiem-nos e nós vamos lá comprovar...
Texto: Paulo Costa
Foto: Rui Pires - Photographer