15/01/2025
URGUEIRA : SEGREDOS OCULTOS
Episódio 1 – O Chamado de Urgueira
| Quando Peter Wynn chega à misteriosa aldeia de Urgueira, ele descobre que cada pedra, cada ruína e cada trilho guardam segredos de um passado há muito esquecido. Uma lenda antiga começa a ganhar vida diante de seus olhos. |
A floresta ao redor da aldeia de Urgueira parecia respirar, envolta em uma névoa espessa que dançava entre os galhos retorcidos das árvores. O lugar tinha algo de atemporal, como se o mundo moderno não conseguisse tocá-lo. Para Peter Wynn, o historiador e escritor de mistérios, aquilo era mais do que uma vila esquecida no tempo. Era um convite.
Ele havia chegado ali atraído por uma carta anónima, enviada de forma curiosamente detalhada para o seu endereço em Lisboa. A mensagem era clara e provocadora:
"Na aldeia de Urgueira, os segredos dos antigos esperam. Mas apenas os que não temem o desconhecido podem ouvir sua história."
Agora, ao cruzar a estrada principal da aldeia — uma antigo trilho de granito que parecia uma cicatriz na paisagem —, Peter sentia que a carta tinha razão. Urgueira não era apenas um lugar; era um enigma.
Primeiras Pistas
Ao instalar-se na Casa do Altar, a única taverna da aldeia, Peter percebeu que não seria bem recebido com facilidade. O ar de desconfiança dos poucos moradores presentes era quase palpável. Acima da porta principal da taverna, uma inscrição em pedra chamava sua atenção:
"O saber dos antigos pertence aos que têm coragem de ouvir."
Mais tarde, enquanto jantava em silêncio, uma conversa sussurrada ao fundo chamou sua atenção. Dois homens falavam sobre o “caminho antigo”, um lugar que, aparentemente, era evitado pelos locais à noite. Peter fez menção de perguntar, mas foi interrompido por uma mulher idosa, que, sentada ao lado da lareira, o fitava com um olhar profundo.
“Você veio por curiosidade ou por um chamado, estrangeiro?” perguntou a mulher, com a voz rouca e cheia de autoridade.
“Talvez um pouco dos dois,” respondeu Peter, tentando não soar inseguro.
“Se for o chamado, cuidado. Nem tudo o que se busca merece ser encontrado.”
Peter tentou pedir mais informações, mas a mulher apenas se levantou e saiu, deixando-o com mais perguntas do que respostas.
O Caminho Antigo
No dia seguinte, Peter decidiu explorar os arredores. Munido de um bloco de notas e uma lanterna, ele seguiu um caminho que parecia mais antigo do que a própria aldeia. As pedras da estrada estavam desgastadas pelo tempo, e musgos brilhantes cresciam nos seus contornos, como se protegessem algo sagrado.
A floresta ao redor era densa, quase sufocante. Cada passo parecia guiá-lo mais para dentro de um labirinto natural, onde os sons da aldeia desapareciam. De repente, ele encontrou uma bifurcação: um caminho seguia em linha reta, enquanto o outro, quase oculto por vegetação, parecia serpentear para uma direção desconhecida.
Peter hesitou, mas algo no segundo caminho o chamou. Um vento suave soprou, levando consigo o som de um murmúrio distante. Seria apenas o vento entre as árvores? Ou algo mais?
Símbolos no Caminho
Enquanto caminhava, Peter começou a notar marcas gravadas nas pedras do caminho. Eram símbolos antigos, que pareciam uma mistura de runas e inscrições romanas. Ele anotou o que viu, reconhecendo algumas delas como referências ao culto romano a Diana, deusa da caça e da lua.
O silêncio era quase total, exceto por um som de água corrente. Ele seguiu até encontrar uma pequena nascente, onde uma figura estava parcialmente submersa. A princípio, pensou que fosse uma estátua, mas, ao aproximar-se, percebeu que era algo vivo.
Era uma mulher, ou pelo menos parecia ser. Sua pele era pálida, quase translúcida, e os cabelos longos estavam cobertos de pequenos musgos brilhantes que pareciam cintilar sob a luz filtrada da floresta. Ela não o olhava diretamente, mas parecia sentir sua presença.
“Você não deveria estar aqui,” disse ela, sem se virar. Sua voz era como um eco da própria floresta, harmonizando-se com o som da água.
“Quem é você?” perguntou Peter, a voz hesitante.
Ela finalmente se virou, revelando olhos profundos e inumanos, que pareciam conter séculos de sabedoria e dor.
“Eu sou a Guardiã dos Musgos, e este é o meu domínio. Você não veio por acaso. Mas cuidado, Peter Wynn. Nem todos os segredos de Urgueira devem ser revelados.”
Antes que ele pudesse responder, ela ergueu uma das mãos, e a floresta pareceu se fechar ao seu redor. A escuridão envolveu-o, e Peter acordou horas depois, deitado no mesmo ponto em que havia encontrado a nascente.
O Início da Jornada
De volta à taverna, Peter revi as suas anotações. As inscrições, os símbolos, e a figura da Guardiã — tudo parecia conectado a algo maior. Ele sabia que estava apenas arranhando a superfície de um mistério que transcendia o tempo.
Naquela noite, enquanto a chuva caía sobre o telhado da Casa do Altar, ele revisitou a frase esculpida acima da porta:
"O saber dos antigos pertence aos que têm coragem de ouvir."
Peter sabia que precisaria de toda a coragem que possuía. Urgueira não era apenas uma aldeia; era um portal para algo muito mais profundo — e ele estava prestes a cruzá-lo.
A Primeira Noite na Urgueira
Enquanto Peter tentava organizar as peças do quebra-cabeça, a tempestade aumentava. O som da chuva a bater contra as janelas da Casa do Altar era intercalado por trovões distantes, como se o próprio céu conspirasse com o mistério. Ele sentou-se em frente à lareira, estudando os rabiscos que havia feito sobre os símbolos do trilho. As inscrições romanas misturadas com runas eram um enigma que parecia desafiar qualquer lógica histórica.
Então, algo o tirou de seus pensamentos: um som distinto de asas batendo. Ele levantou os olhos para uma das janelas e viu a silhueta de um corvo, empoleirado no parapeito, olhando diretamente para ele. Seus olhos brilhavam com uma inteligência incomum, quase humana.
Peter levantou-se lentamente e abriu a janela, esperando que a ave voasse para longe. Em vez disso, o corvo entrou na sala com a confiança de quem já era esperado. Ele pousou em uma cadeira próxima e crocitou, como se estivesse a tentar comunicar.
“E agora eu estou a conversar com corvos,” murmurou Peter para si mesmo, sentando-se novamente.
(continua)