29/05/2011
A Igreja de surpresas que eu amo. (Por Abílio Cardoso)
Amo esta Igreja. Sou parte dela. Ela tem defeitos. São os meus defeitos. Todos a querem bela, pura, sem mancha. Eu não. Eu quero-a assim. Como ela é. Basta-me saber a beleza da sua Cabeça. Se fosse pura, eu seria excluído. Assim, ao menos, eu faço parte daquele grupo que tenta sempre, e se ajuda entre... si, chegar por Jesus ao Pai.
Há dois mil anos que a minha Igreja é empurrada para o banco dos réus. Acusada por não ser imaculada. Acusada por ser humana e não divina. Humilhada e responsabilizada pelos males da humanidade. Como se só ela tivesse obrigação de lutar por um mundo mais humano. E quem a acusa? Precisamente aqueles que se excluem desta luta e esperam tudo construído pelos outros.
Admiro a história da minha Igreja. Os seus começos, os seus desenvolvimentos, as suas aprendizagens, os seus avanços e recuos, a sua actualidade, e mesmo a coragem com que dá a cara aos que a acusam de «viver fora deste mundo» e falar uma linguagem que os contemporâneos «não entendem».
Sofro também com a minha Igreja, ao ver-se desprovida de meios humanos e materiais para tarefa cada vez mais urgente e difícil: a de criar esperança e sentido para a vida. Porque, esquecidos de que «nem só de pão vive o homem», vamos criando uma humanidade cada vez mais materializada, fria e seca, desencantada e depressiva. Numa palavra, uma humanidade que precisa cada vez mais da Igreja.
Amo esta Igreja na sua capacidade constante de «aggiornamento», de «actualização», não ao «mundo» que lhe berra para que se deixe moldar. Mas ao Espírito Santo que a conduz desde o início. Por isso ela se volta para as fontes, para aprender como O escutar hoje. À semelhança do que fizeram os primeiros cristãos que, como nós, experimentaram as tensões entre o «Espírito» e o «mundo» e aprenderam que só tinham a ganhar quando preferissem a fidelidade ao Espírito e não ao mundo. Este quis e quer, hoje e sempre, uma palavra imediatista, resposta fácil e caucionadora de «novidades», sem regra e sem fronteira. A Igreja olha o ser humano num horizonte largo de sentido: para trás, ela vai até às origens e vontade do Criador; para a frente: ela convida a ultrapassagens de espaço e de tempo. Ela cria razões de esperança. Humana e Divina.
Amo esta Igreja tentada a esquecer o essencial, pressionada para escutar outras vozes: ela continua a firmar-se na Palavra de Deus, transmitida pelos Apóstolos e interpretada hoje pelo Magistério apostólico.
Amo esta Igreja que me lembra que o rosto de Deus apenas o posso ver no rosto daqueles que, irmãos e companheiros de aventura, testemunham a «Presença» que os habita quando fazem da vida um serviço dedicado e desinteressado aos outros. Porque o rosto de Deus é como o rosto de Jesus. E deste não faltam testemunhos: uma ternura que «invadia» o outro, que o cativava, que o fazia elevar-se, que o libertava de si próprio e das suas próprias cadeias.
Amo esta Igreja que se afirma povo de Deus a construir-se no caminho que leva a uma morada eterna de paz. Uma Igreja móvel e estável. Sempre. Daí a dificuldade de ser entendida até porque, exercendo a missão de dizer o mistério do amor de Deus, ela própria se torna mistério e incompreensão permanentes.
Amo esta Igreja que, diante das dificuldades, ousa propor, a todos aqueles que «não têm tempo», cuja vida está demasiado ocupada mas que, mesmo assim não dispensam a sua presença nos seus ritos sociais, os quatro pilares em que deve sempre assentar a vida daqueles que pretendem ser reconhecidos como seguidores de Jesus e portadores de «direitos»: escutar o ensinamento dos Apóstolos, viver em comunhão fraterna, oração diária e participação na Eucaristia.
Amo esta Igreja que renasce constantemente das cinzas em que tantos, de dentro e de fora dela, a julgam ter deixado. Porque a sua força está no Espírito que a anima, ela surpreende e surpreenderá sempre. Por isso, amo esta Igreja de surpresas.
in Boletim CONSTRUIR de 22 Maio 2011
Matriz de Barcelos
O Prior - P. Abílio Cardoso