27/05/2023
❤️
OS FILHOS ESQUECERÃO
O tempo, pouco a pouco, me libertou da extenuante fadiga de ter filhos pequenos, das noites sem dormir e dos dias sem repouso. Das mãozinhas que não paravam de me agarrar, que me escalavam pelas costas, que me pegavam, que me buscavam sem cuidados, nem bacilos. Do peso que enchiam os meus braços e curvavam as minhas costas. Das vezes que me chamavam e não permitiam atrasos nem esperas.
O tempo me devolveu a folga aos fins de semana e as chamadas sem interrupções, o privilégio e o medo da solidão. Acelerou, talvez, o peso da responsabilidade que ás vezes me aperta o diafragma. O tempo, inexoravelmente esfriou a minha cama, que deixou de estar aquecida de corpos pequenos e respirações rápidas. Esvaziou os olhos dos meus filhos, que agora transbordam de um amor poderoso e incontrolável. Tiraram dos seus lábios o meu nome gritado e cantado, chorado e pronunciado cem mil vezes ao dia.
Cancelaram, pouco a pouco ou de repente, a confiança absoluta que nos fazia um corpo único, com o mesmo cheiro, acostumados a mesclar os nossos estados de ânimo, o espaço, o ar que respirávamos.
Como um rio que escava o seu leito, o tempo perigou a confiança que os seus olhos tinham em mim, como ser onipotente, capaz de parar o vento e acalmar o mar, consertar o inconsertável e curar o incurável. Deixaram de pedir ajuda, porque já não acreditam que em algum caso eu possa salvá-los. Pararam de me imitar, porque já não desejam parecer-se comigo. Deixaram de preferir a minha companhia em comparação com os demais (e vejo, tudo isto naturalmente, pois também aconteceu comigo!).
Se esfumaçaram as paixões, as birras e os ciúmes, o amor e o medo. Se apagaram os ecos das risadas e das canções, as sonecas e os "era uma vez...
Com o passar do tempo, os filhos descobrirão que temos defeitos e se tivermos sorte, nos perdoarão por alguns deles.
Sábio e cínico, o tempo trará consigo o óbvio.
Eles esquecerão, mas ainda assim eu não esquecerei. As "cosquinhas" e os "corre-corre", os beijos nos olhos e os choros que de repente paravam com um abraço, as viagens e as brincadeiras, as caminhadas e a febre alta, as festas, as papinhas, as carícias enquanto adormecíamos lentamente.
Os meus filhos esquecerão que os amamentei, que os balancei durante horas, que os levei nos braços e ás vezes pelas mãos. Que lhes dei de comer e consolei, que os levantei depois de cem caídas. Esquecerão que dormiram sobre o meu peito de dia e de noite, que houve dias que de mim necessitaram tanto, como o ar que respiravam.
Esquecerão, porque é assim mesmo, porque isto é o que o tempo escolhe. E eu, eu terei que aprender a lembrar-me de tudo para eles, com ternura e sem arrependimentos, incondicionalmente.
D.Autor